• Growth Insight
  • Posts
  • Cyberpunk 2077: caos e redenção como negócio, marketing e jogo

Cyberpunk 2077: caos e redenção como negócio, marketing e jogo

Por dentro do hype, da queda e da retomada da CD Projekt Red

Eu joguei Cyberpunk 2077 esses dias. Muito.

Por “joguei”, entenda-se: zerei. 

Terminei todos os finais possíveis (são sete e mais um secreto), incluindo a expansão Phantom Liberty, fiz todas as missões possíveis, e neste final de semana eu “platinei”, que é quando você oficialmente pega todos os troféus possíveis e não tem nada mais a fazer.

São mais de 190 horas de jogo desde dezembro (sim, eu não durmo e passo a madrugada nisso - e ainda vou dobrar esse número). 

Motivo de comemoração de domingo: a platina veio

Fiquei imerso no universo de Night City - ao passo de ativar aquela parte do meu cérebro (fãs de Mr. Robot vão pegar o easter egg). 

Aquela parte curiosa, que sempre pensa como as coisas funcionam.

Temos quatro grandes atos.

  • Primeiro, é um case de sucesso no hype pre-lançamento.

  • Depois é um case de fracasso com as expectativas frustradas e jogo quebrado.

  • A companhia tem que mudar radicalmente a forma de trabalhar

  • Por fim, fecha um ciclo de redenção com um arco do herói tão legal (e menos sangrento) que a de V, o nosso protagonista.

Antes, caso você tenha perdido:

👀 TL;DR - Um resumo da edição de hoje

✍️ Tempo para pesquisar e escrever: 6 horas
🎮 Tempo de jogo: 190 horas
Tempo de leitura: 9 minutos

(Todos os intertítulos são missões ou referências do jogo)

The Heist: hype desde a origem

O jogo foi anunciado em 2012 pela desenvolvedora CD Projekt Red. Em 2013 o trailer já arrebatava corações, e em 2018 o protótipo foi multipremiado na E3, maior feira de games do mundo. 

O hype estava formado: o “GTA do futuro pós-moderno” tinha muita ação e um budget de mais USD 142 milhões para marketing, investidos de todas as maneiras possíveis para fazer um BIG BANG no lançamento.

Influencers, early reviews, trailers, mídia, PR, o pacote todo. Uma das estratégias mais bem executadas de marketing para games que eu já vi. Alguns highlights:

  • Keanu Reeves foi a estrela do jogo, tanto dentro do game (ele é o Johnny Silverhand, personagem que bem… entra na sua cabeça) quanto como embaixador de marca em campanhas e eventos.

  • Fizeram bem o arroz-feijão de mídia tradicional com rádio, TV, OOH, eventos, entre outras coisas básicas e necessárias.

  • Se aliaram ao criador do termo Cyberpunk e de toda a literatura do gênero (imagine filmes como Blade Runner), Mike Pondsmith, e “ressignificaram” o conteúdo dele para social e até jogo de tabuleiro.

  • Também colocaram influenciadores como Jesse Cox e Alanah Pearce como personagens dentro do jogo, com contratos grandes com eles para ativar a fanbase. Fizeram até competição de cosplay!

  • Mostraram que dá para personalizar os genitais dos personagens no jogo (pode escolher o que quiser independente se o seu personagem é masculino ou feminino) para gerar polêmica em um PR stunt.

  • Criaram toneladas de conteúdo para social media, desde trailers até “behind the scenes” com um seriado completo de desenvolvimento.

  • Fizeram co-marketing com marcas óbvias (como o X-Box lançando uma edição especial do console com as cores do jogo) até menos óbvias como Sprite, Old Spice e Samsung

Precisavam fazer jus aos USD 174 milhões e mais de oito anos investidos em desenvolvimento, incluindo vários atrasos na data de lançamento e a quebra de promessas como modo multiplayer e múltiplas DLCs (“extensões” do jogo). 

Disasterpiece: lançaram um jogo bugado

Andar de moto pelado era default no jogo, e não algo que você faz como piada.

O lançamento conseguiu ser ótimo e péssimo ao mesmo tempo. 

Foram mais de 8 milhões de cópias vendidas em pré-venda. 

O orçamento todo de desenvolvimento foi pago no primeiro dia de vendas. 

Mais de 1 milhão de pessoas fazendo streaming simultâneo na primeira hora útil.

E chegou o caos: o jogo estava todo cagado. 💩💩

Bugs. Falhas de design. De jogabilidade. De tudo. 

Muito ruim mesmo, especialmente em consoles e computadores antigos. 

Parece aquele trabalho de faculdade que você entrega a versão TCC.docx e não a versão TCC-FINAL-EDITADO-REVISADO-V5-VALE-ESTE.docx. 

A coisa estava tão ruim que resultou uma queda de mais de 10% nas ações da CD Projekt Red em um dia e mais de 29% em uma semana. 

O crescimento e derrocada das ações. Não recuperou o valor, mas pelo menos agora começou a pagar dividendos. (imagem: Yahoo Finance - nada publicado aqui é recomendação de investimento)

Investidores americanos processaram a empresa por “falsa expectativa”, de tão ruim. Teve recall e tiveram até que devolver o dinheiro dos consumidores. 

Esses problemas levaram a Sony e a Microsoft a retirar o jogo de suas lojas digitais, PlayStation Store e Xbox Store, entre dezembro de 2020 e junho de 2021.

WASTED

Afterlife: revertendo a situação

Imagem do Anime da Netflix

O problema é: a CD Projekt Red é listada na Bolsa (Polônia e EUA) e tem basicamente dois jogos. Cyberpunk e The Witcher - esse já uma sequência de hits que a gabaritava como produtora.

Eles não são lançados frequentemente, e a expectativa de resultado é também amplamente baseada na reputação como desenvolvedora de games “AAA”. 

Então esses jogos são muito grandes para falhar.

Uma companhia com USD 500 milhões em ativos não pode deixar passar em branco um jogo de USD 400 milhões. 

Aí que vem o renascimento - e com mais ações de marketing legais.

Primeiro, o CEO veio a público e mostrou a cara, acusando o golpe e falando um passo a passo de como ia consertar a situação.

Tanto nos earning calls quanto a público. Cronograma certinho sem migué.

Mudaram também a forma de trabalhar - em vez dos departamentos tradicionais, com silos de design, narrativa e código, criaram squads multidisciplinares para entregarem partes do jogo de maneira mais coordenada.

Sim, o Agile salvou Cyberpunk, ao menos no modo da CDPR trabalhar. Esse documentário do GameSpot ajuda bastante a entender.

Em 2022, eles soltaram um patch que consertava finalmente todas as cagadas anteriores, e aliaram isso com uma estratégia inusitada: lançaram um anime na Netflix, Edgerunners.

O desenho é bom! Sim, eu assisti (falei que estou viciado). A história não é a mesma e é como se fosse um prólogo do jogo, mas o “universo” é idêntico - e há citações claras de um dentro do outro. 

A estratégia é similar ao que a Fórmula 1 teve com o “Drive to Survive”. Assistida mais de 50 milhões de vezes, a série também no Netflix levou a audiência da F-1 a crescer mais de 58% depois de seu lançamento. O streaming também conta com “The Witcher”, jogo da CDPR. 

Deu bom: a companhia reportou crescimento nas vendas em 2022, recuperou fôlego e atribuiu à essa adoção massiva de quem assistiu o anime. 

Phantom Liberty: expansão foi a redenção

Idriss Elba foi a estrela da expansão

Aproveitando a guinada, eles investiram mais USD 127 milhões para completar a redenção.

  • USD 41 milhões para desenvolver o patch 2.0 que praticamente transformou o game naquilo que prometia de início.

  • USD 64 milhões para criar a expansão Phantom Liberty - com ninguém menos que Idriss Elba, já que a tática de superstars se provou prolífica. 

  • E mais USD 21 milhões de budget de marketing para a DLC, 7 vezes menor que o original - aprenderam com a falha de expectativa, talvez?

Aí andou. Mais 4,3 milhões de cópias vendidas em dois meses e um resgate do boom de vendas tanto do jogo original quanto do DLC, resultando no melhor Q3 da história, 80% de crescimento no YoY. Report financeiro legal aqui

E o jogo cresceu uma fanbase a ponto de ser o mais “modded” (modificado) da história.

Um mod é quando alguém mexe no código-fonte de um jogo e “hackeia” alguma propriedade, como personagens, roupas, carros, habilidades ou modos de jogo distintos. É uma metalinguagem a um jogo… de hackers.

Phantom Liberty seguiu sua redenção e faturou prêmios de “Melhor Expansão do Ano” no Games Awards 2023.

Anunciaram uma próxima versão chamada Project Orion. Resgataram a reputação da companhia (ainda que a ação esteja ainda em baixa). 

E me colocaram pra perder dezenas de horas como o protagonista, V. 

Hanako at Embers: os aprendizados

(Esse subtítulo eu explico: é a missão final do jogo)

O que eu acho que dá pra tirar daqui, além do fato de ser um baita jogo e história de negócios: 

  • Cuidado com o hype e não entregar a promessa;

  • Não adianta ter muito marketing se o teu produto é péssimo

  • Nada importa mais que sua reputação;

  • Boca-a-boca é a forma mais forte de mover massas desde sempre; 

  • Superstars ajudam muito a vender videogame;

  • Às vezes vale a pena aceitar a porrada e voltar a desenvolver.

  • Canais alternativos com conteúdo bom (a.k.a. série na Netflix - já tinha rolado também com The Witcher) já dão um gostinho de como é o universo do produto e geram expectativa. 

  • Eu tô jogando muito videogame.

See you later, choom.

Collins

PS: Essa é uma edição de deep dive de negócios. Estamos testando formatos e pautas para ver o que mais funciona. Gostou? Não gostou? Fala pra mim. 

O que achou dessa edição?

Login or Subscribe to participate in polls.

Assine para continuar lendo :)

O conteúdo é grátis - mas apenas para assinantes da newsletter. Se junte a nós!

Already a subscriber?Sign In.Not now