O mito do Growth Hacker

Os dados mostram que o growth hacker entrará em extinção

Fundadores e marqueteiros continuam seduzidos por objetos brilhantes e facilmente subestimam as habilidades necessárias para gerar tração e acelerar o crescimento de uma empresa e o que é preciso fazer para desenvolve-las.

O growth hacker, até então um dos mocinhos das histórias de sucesso, deve ser extinto enquanto cargo nos próximos anos.

Em 2015 havia 4 mil growth hackers no LinkedIn. Em 2019, eles eram em 35 mil growth hackers e no momento em que escrevo este artigo esse grupo é 40% menor, são 22 mil perfis com o título.

Nessa edição:

  • Ascensão e declínio do growth hacker

  • Contos de fadas do growth: O mágico de Oz

  • Mentalidade? Metodologia? Nada disso.

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Breve história das startups em números

A esteira do venture capital no Brasil prosperou muito na última década, especialmente a partir de 2017, quando ultrapassamos pela primeira vez a marca de U$ 1 bilhão investidos.

O solo brasileiro é o mais fértil para a inovação em toda a América Latina, atualmente são 13 mil startups (2 em cada 3 startups da região estão no país) e o maior número de unicórnios.

Em Janeiro de 2018 a 99 se tornava o primeiro unicórnio do país e, de lá pra cá, outras 23 entraram oficialmente para o desejado hall da fama - uma lavada contra as 7 empresas avaliadas em mais de USD 1 bilhão dos nossos hermanos.

Com acesso ao capital, as startups começaram a tomar de assalto os principais mercados brasileiros e, surfando a onda do crescimento exponencial, um novo tipo de profissional começou a despontar no ecossistema de startups: o growth hacker.

A história do growth hacking você já conhece.

Depois de levar duas empresas de tecnologia ao IPO, Sean Ellis começou a trabalhar com empresas em fase de tração — startups — obtendo um track record invejável: LogMeIn, Eventbrite, Dropbox e Lookout, desconhecidas na época, hoje valem bilhões de dólares.

Em 2010 cunhou o termo growth hacking pra explicar como fez isso, em 2012 Andrew Chen escreveu o famoso artigo “Growth Hacker is the new VP Marketing” e a partir daí o termo de popularizou entre startups e grandes empresas de tecnologia como Facebook, LinkedIn, Uber.

Hacking Growth, obra seminal sobre o tema.

A ascensão e o declínio do Growth Hacker

A figura do growth hacker, como um hércules startupeiro e seus 12 desafios, provou-se uma excessiva simplificação do que é necessário para crescer exponencialmente.

Como o canto da sereia, todo o imaginário sobre startups é envolto de sensualidade e genialidade. Há sempre um ponto de inflexão que transforma uma startup qualquer em uma força imparável da natureza.

O growth hacker é um dos mocinhos nas histórias de sucesso. É dele que vem as grandes sacadas como o Hotmail e sua assinatura (PS: I love you. Get your free e-mail at Hotmail), Dropbox e seu lendário programa de indicações ou como o Airbnb e a listagem via Craiglist ou os cereais com candidatos presidenciais.

Apesar as anedotas que explicam o sucesso do conceito, os números apontam que o o growth hacker enquanto função entrará em extinção nos próximos anos.

Google Trends para o termo Growth Hacking

  • Em 2015 havia 4 mil growth hackers no LinkedIn.

  • Em 2019, eles eram em 35 mil growth hackers.

  • No momento em que escrevo este artigo são 22 mil perfis com o título.

Ao mesmo tempo, as vagas não estão sendo repostas com velocidade suficiente para manter a população saudável.

No início de 2020 havia cerca de 100 vagas para “growth hackers” abertas no LinkedIn, em janeiro de 2021 eram são 772 vagas e hoje, 10/04/2024 são 378.

O termo completo vem dando lugar aos correlatos, com mais growth e menos hacker - growth manager, growth director, growth PM - um sinal do amadurecimento da disciplina

O mágico Hacker de Oz

O motivo pela decadência da função é explicada por Aatif Awan, na época Head of Growth do LinkedIn, e primeira pessoa atuando diretamente com growth a questionar a forma como growth hacking é implementado: o mágico de Oz, o Pó de Pirlimpimpim ou João e o Pé de Feijão.

Apocalíptico ou sensato?

O mágico de Oz

Ao longo dos anos, startups contrataram pessoas para a posição de growth hacker como se fossem Dorothy Gale em busca do Mágico de Oz: basta contratar uma pessoa e pedir para que ela faça seu produto crescer.

Pó de Pirlimpimpim

Startups pesquisam por listas de táticas usadas por outras empresas e salpicam-nas em seu produto esperando a mágica acontecer. Se ele fez na dele e rolou, vou fazer na minha e vai vingar também.

João e o Pé de Feijão

Outro nome para spray and pray, startups simplesmente começam a fazer coisas na esperança de que alguma delas cresça desproporcionalmente e entregue resultados.

Essas analogias mostram como fundadores e marqueteiros continuam seduzidos por objetos brilhantes e facilmente subestimam as habilidades necessárias para gerar tração e acelerar o crescimento de uma empresa e o que é preciso fazer para desenvolve-las.

O debate irrelevante sobre mentalidade e metodologia.

Eu li meu primeiro artigo sobre growth em 2016. Nesse tempo todo uma discussão permanece sem solução: a comunidade não entra em consenso sobre que é growth hacking.

Existem dois pontos de vista dominantes: o da mentalidade e o da metodologia. Ambos estão errados.

A maioria das pessoas se reúne em torno da ideia de “mentalidade”, mas essa ideia é incorreta porque growth hacking prospera mediante um conjunto de crenças específico e pode até ser um exemplo do que acontece quando essas crenças são bem aplicadas, mas não é uma crença em si.

A própria ideia de mentalidade, sequestrada pela ala irresponsável dos coachs, contribui para a decadência da pauta. Praticamente tudo que falha em encontrar uma explicação robusta se volta ao arcabouço da mentalidade: de dono, de sucesso, de growth.

Growth is far less about the terminology or tactics. It is more about a change in our mentality, process, and team structure of how we grow a technology company.

Brian Balfour, founder @ Reforge

Outra grupo incorre no mesmo erro ao associar growth hacking com metodologia - startups aplicando o método científico aos negócios - confundir o ter com o ser.

O processo de experimentação é uma metodologia fortemente conectada com growth hacking, sendo, provavelmente, a ferramenta mais popular e eficiente da área. Talvez, por isso, GH vire sinônimo de experimentação.

Então qual é, afinal, a definição exata de growth hacking? Sean Ellis é direto quando afirma que é "experiment-oriented marketing" e, sob essa ótica, afirma que growth hacking é uma disciplina do marketing.

Ele dá mais detalhes sobre como essa disciplina funciona definindo como “a process of rapid experimentation across the full customer journey to accelerate customer and revenue growth” e estabelece a palavra final: processo.

A vantagem de consultar a fonte é não se perder em traduções e adaptações. Growth hacking como processo faz muito sentido, uma vez que um processo é uma “sequência contínua de operações que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade”.

Desbancando mitos: adeus hacker, olá...

Ainda pode haver confusão em relação ao termo, mas a maioria das pessoas tem uma compreensão intuitiva sobre o que ele significa. Sob a ótica da fonte original - um processo - não faz sentido procurar (ou ser) um growth hacker.

Growth hacking é algo que pode começar a partir da aspiração individual de profissionais antenados, mas sua execução é, invariavelmente, um esporte coletivo.

Growth como uma squad

A figura de um indivíduo - hacker - nessa equação é justamente a fagulha que da origem aos contos de fadas ilustrados por Aatif Awan e o descrédito da disciplina.

Eu não tenho a pretensão de matar o growth hacking, isso seria incorrer no mesmo erro dos colegas que mataram o e-mail, o inbound ou o outbound.

A minha ambição é discutir o crescimento acelerado e exponencial das startups como um sistema - aquisição, retenção, engajamento e monetização - onde o growth hacking é um dos processos que o compõe.

Na vida real, experimentos, dados e outros elementos centrais da disciplina de growth são importantes, mas como visto no início dessa edição, dinheiro tende a ser ainda mais relevante.

Quando querem dominar um mercado, VC's despejam milhões nas contas bancárias, não hackers em escritórios. Dinheiro ainda é o enabler #1.

Na vida real, negócios acontecem nas trincheiras e não nas ferramentas de teste AB.

Enquanto profissional de growth, é bom que suas unhas estejam sujas de terra.

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