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Product-Market Fit: você sabe o que é, mas não aplica.

PMF é como Bháskara, todo mundo decorou a fórmula, mas na prática ninguém sabe quando usar

Todo mundo está convencido sobre a importância do Product-Market Fit.

O termo faz parte do “Santo Graal” do empreendedor de startups e provavelmente você mesmo repetiu, pelo menos uma vez, o dito popular que resume o conceito: “PMF primeiro, depois Growth”.

Apesar de consolidado, o termo parece ter dificuldades em encontrar a prática.

A resposta para as perguntas mais fundamentais sobre PMF - o que é, qual é o processo até ele e como eu sei que encontrei? - continuam sendos respondidas como se fossem a fórmula de Bháskara, onde cuspimos “(-b±√Δ)/2a" sem entender onde usar.

👀 TL;DR - Um resumo da edição de hoje

  • O conceito definitivo de PMF: cavamos até a fonte para achá-lo

  • Os elementos práticos: o produto, o mercado e o modelo

  • Como encontrar PMF: conciliamos conceitos para formatar seu processo

  • Resolvendo o dilema de “sentir vs. medir” Product Market Fit

✍️ Tempo para pesquisar e escrever: 19 horas
Tempo de leitura: 18 minutos

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Prólogo: PMF para guiar decisões

Eu estava em uma reunião com o CEO global da Swile quando ele anunciou que havia postergado a data de lançamento de um novo produto no Brasil.

Quando perguntei o motivo, ele trouxe uma resposta simples: “Ainda não encontramos Product-Market Fit na França”

Eu trabalho em startups desde 2016 e essa foi a primeira vez que eu vi a teoria sobre PMF ser utilizada para tomar uma decisão.

Eu saí da reunião - compartilho mais pedaços dessa conversa ao longo dessa edição - com um micro-objetivo em mente: estudar product-market fit até ser capaz de tomar decisões como aquela no futuro.

Essa edição resume tudo que eu aprendi até agora.

A verdadeira origem do Product-market Fit

Uma startup que visa prematuramente uma meta de crescimento muitas vezes acaba criando um produto nebuloso que alguns usuários gostam e encobre isso com ‘growth hacking’. Isso funciona – pelo menos, enganará os investidores por um tempo até que eles comecem a investigar os números de retenção – mas, eventualmente, a música para”

Sam Altman, CEO da OpenAI, ex-presidente da YCombinator.

A criação do termo PMF é geralmente atribuída à Marc Andreessen, cuja frase "product/market fit means being in a good market with a product that can satisfy that market" é encontrada 117 milhões de vezes no Google.

A definição original, por outro lado, tem 116.5 milhões de resultados a menos.

O artigo de Andreessen - The only thing that matters (2007) - é, certamente, o mais lido do mundo sobre o assunto e uma homenagem ao corolário de Andy Rachleff, fundador da Benchmark Capital, sobre startups de sucesso: "The only thing that matters is getting to product/market fit".

A tese foi criada por Rachleff e Don Valentine (Sequoia) com uma definição muito mais complexa: “A value hypothesis is an attempt to articulate the key assumption that underlies why a customer is likely to use your product. Identifying a compelling value hypothesis is what I call finding product/market fit."

Sob a luz das palavras de Rachleff fica evidente o motivo pelo qual é tão difícil conectar a teoria com a prática: conteúdo sobre PMF (output) é abundante, enquanto conteúdo sobre hipóteses de valor (input) é raro.

O que é uma hipótese de valor?

De acordo com a definição de Rachleff, uma hipótese de valor busca validar o principal motivo pelo qual um conjunto específico de clientes deseja usar o seu produto: o que, para quem e como vender.

A value hypothesis identifies the features you need to build, the audience that’s likely to care, and the business model required to entice a customer to buy your product.

Andy Rachleff

A existência de um problema não é sinal de product-market fit, ela representa apenas uma oportunidade para criar uma solução, (a.k.a. fundar uma startup).

Essa é uma etapa anterior ao PMF, geralmente chamada de problem/solution-fit, onde você deve testar se a solução que você criou é minimamente aderente ao problema que você se propõe a solucionar.

Ao criar um produto, é tendência entre fundadores, marqueteiros e product managers é a de se apoiar numa abordagem spray and pray na tentativa de descobrir em quem aquela solução vai grudar.

“Primeiro eu crio, depois eu encontro quem compra”.

Essa abordagem só afasta as organizações do PMF. Ao propor a definição de uma audiência específica, Rachleff deixa claro que não se deve ir a mercado vendendo para todo mundo ou qualquer um.

O último elemento é “to buy your product”. Gostar do produto NÃO É comprar o produto; dizer que falta A ou B para comprar NÃO É comprar o produto e prometer comprar o produto NÃO É comprar o produto. Comprar o produto é comprar o produto.

Em outras palavras, uma hipótese de valor busca identificar uma audiência que tem um problema que vale a pena ser resolvido.

Sabendo disso, precisamos estabelecer o que é necessário construir para validar essa hipótese e chegar ao product-market fit.

Os 3 elementos práticos do Product-Market Fit

“The #1 company-killer is lack of market. When a great team meets a lousy market, market wins. When a lousy team meets a great market, market wins. When a great team meets a great market, something special happens.”

Andy Rachleff

Não basta reconhecer os elementos que definem uma startup com product-market fit, esse conhecimento representa um degrau adicional no domínio sobre o tema, mas ainda é teórico.

Assim vamos nos aprofundar em cada um dos três elementos centrais que definem uma hipótese de valor para criar um processo que pode ser adotado por founders e marqueteiros com confiança de que sairá do outro lado com uma resposta e, dada a natureza delicada do tema, com baixo risco.

1. Uma proposta de valor convincente (the features you need to build)

Eu parto do princípio de que o seu produto foi criado para resolver um problema, não importa se ele é apenas um MVP ou se você tem um punhado de clientes, você identificou um problema que vale a pena ser resolvido.

Nesse cenário, um dos maiores desafios das startups é traduzir essa relação problema-solução em uma proposta de valor.

Guiados por decks de VC's, fundadores tendem a ser exageradamente aspiracionais, marqueteiros geralmente vestem uma capa de soberba antes de definirem o que a empresa faz e abusam de palavras vazias e termos hypados como “revolucionar", “AI”, e “cutting-edge” (SOCORRO!)

Esse é um trabalho difícil e a armadilha é constante, e mesmo empresas consolidadas sofrem com elas.

No momento em que escrevo essa edição, a homepage de uma startup famosa diz: “Feito para pessoas. Criado pensando na produtividade”.

Estamos falando do Canva, Slack ou GSuite?

Se a sua proposta de valor pode ser usada por outra empresa, então você tem uma proposta de valor fraca.

Homepage do Slack em 26.03.24

É contra-intuitivo, mas uma boa proposta de valor é irrelevante para a maioria das pessoas, esse é o preço a se pagar por uma mensagem visceral para um pequeno grupo de indivíduos.

Companhias que crescem demais e precisam endereçar uma gama cada vez maior de consumidores diferentes acabam caindo nessa vala de deixar a sua proposta mais e mais genérica - e ou contam com a força da marca para compensar, ou… atingem platôs mesmo.

Um aprofundamento sobre mensagem e posicionamento fica para outra edição, aqui estão duas dicas para construir uma boa proposta de valor:

  1. Resolva um problema grande: essa é clássica analogia da aspirina vs. suco de laranja, ninguém corre pro mercado quando está com enxaqueca. Não importa quão competente você é, se o seu produto é apenas nice-to-have, sua proposta de valor será fraca.

  2. Escreva sobre a realidade: uma proposta de valor deve ser entregue hoje. Não pode ser uma promessa para o futuro, isso é papo para palestras e investidores. Use palavras simples pra explicar o que é o produto e o que o seu cliente pode fazer com ele.

2. Uma segmentação de clientes detalhada e específica (the audience that’s likely to care)

O segundo passo em direção ao product-market fit é encontrar um pequeno grupo de pessoas que compartilha uma dor específica e tenta resolve-la por caminhos semelhantes.

Uma proposta de valor excepcional apresentada para o público errado é uma proposta de valor ruim.

Aqui você não quer atender uma audiência que você conhece bem, você quer chegar na audiência desesperada por uma solução.

Seu objetivo inicial é encontrar um segmento que representa 100% da sua receita, não é ter 5 nichos diferentes com 20% de peso.

Você não quer o máximo de clientes possível, você quer poucos fãs, amantes, clientes fiéis. Nesse momento você prioriza excelência e retenção, não diversificação e escala.

No livro Crossing the Chasm, Geoffrey Moore está alinhado com Andy Rachleff sobre a importância de grandes mercados potenciais, e explica como a aquisição é influenciada pelos cinco perfis de clientes e que, por avançar nos mercados sem PMF, não conseguem cruzar o abismo entre early adopters e early majorities.

O “buraco” citado por Moore é entre a parte amarela e a verde do gráfico.

Nessa etapa, refinar para quem você vende é mais importante do que melhorar o que você vende. Uma vez que o foco em determinado nicho está pacificado, o modelo de negócios precisa ser criado com esse grupo em mente.

3. O modelo de monetização (The business model required to entice a customer to buy your product)

Parte mandatória da jornada ao product-market fit é ter clientes pagantes. Ainda assim, o modelo de monetização das empresas segue duas linhas majoritárias: inventado do nada ou copiado da concorrência.

O primeiro problema é confundir monetização com precificação, mas quanto você cobra é apenas um entre quatro fatores da monetização, quem pensa somente em preço se limita a aumentar ou diminuir valores.

Os outros fatores são:

  • Como você cobra (assinatura, transação…),

  • Quando você cobra (antecipado, trial, premium…)

  • E o que você cobra (funcionalidades, usuários, acesso…).

Essa combinação é fundamental na busca do product-market fit porque a combinação desses quatro fatores define o nível de fricção no processo de compra do seu produto.

Um modelo de monetização de alta fricção pode matar sua busca por PMF.

Um modelo mal estruturado pode ser confundido com um produto que custa caro, pressiona pela redução dos preços, inviabiliza o negócio e chega-se a conclusão: ninguém quer pagar por isso.

Com uma proposta de valor convincente, aplicada a uma segmentação de clientes detalhada e específica com um modelo de monetização alinhado à audiência você tem os elementos necessários para medir e determinar a existência de product-market fit.

Como saber, de forma concreta, que encontramos Product-Market Fit?

The number one problem I’ve seen for startups, is they don’t actually have product/market fit, when they think they do.

Alex Schultz

Poucas pessoas teriam coragem de apostar seus cargos afirmando que seus negócios possuem product-market fit.

O próprio Andreessen trata o assunto de forma etérea quando diz que PMF é algo que você sente: “You can always feel when product/market fit isn’t happening […] And you can always feel product/market fit when it’s happening"

Essa complexidade foi constatada num estudo que encontrei na Lenny's Newsletter sobre 24 startups, e quanto tempo elas demoraram entre a criação do produto, o primeiro cliente e a primeira vez que sentiram PMF.

Lenny's Newsletter

Três dados importantes podem ser extraídos desse gráfico pelo próprio Lenny:

  1. O tempo médio entre a ideia e a sensação de adequação do produto ao mercado foi de aproximadamente 2 anos.

  2. Leva de 9 a 18 meses entre ter um produto funcional e a sensação de product-market fit.

  3. Algumas empresas – Figma, Airtable, Slack – levaram mais de 4 anos para encontrar o PMF.

O caso da Swile corrobora com esses dados, o nosso produto sem product-market fit existe há 6 anos, recebeu aportes milionários e centenas de empresas já pagam por ele.

E esse foi o meu questionamento na reunião, como pode um produto ter tudo isso e não ter PMF?

A resposta do CEO global foi direta: “ter história, dinheiro ou receita não significa ter product-market fit. O NPS mostra que nossos clientes não estão satisfeitos".

Encontrar PMF é uma jornada longa e complexa e sentir é mais fácil que medir, então aqui estão 3 formas de reduzir as incertezas do seu negócio sobre product-market fit.

Modelo de Rahul Vohra, CEO da Superman.

Uma das primeiras pessoas propor a mensuração do PMF foi Sean Ellis, também criador do termo growth hacking.

Rahul Vohra refinou essa abordagem com quatro perguntas:

  1. Como você se sentiria se não pudesse mais usar [produto]? (Defina as respostas possíveis como A. Muito decepcionado, B. Um pouco decepcionado ou C. Nada decepcionado)

  2. Que tipo de pessoa você acha que se beneficiaria mais com [produto]?

  3. Qual é o principal benefício que você recebe do [produto]?

  4. Como podemos melhorar [produto] para você?

A pergunta #1 é sobre PMF e as demais retroalimentam o desenvolvimento de estratégias que reforçam o PMF. Sob essa ótica, ter PMF é ter 40% de respostas na pergunta #1 como “A. muito decepcionado".

A curva de retenção

Se um produto é útil, as pessoas engajam e a curva de retenção é a principal forma de medir a qualidade dos clientes atuais.

Uma curva em constante declínio revela uma empresa capaz de vender, mas cuja experiência promovida não é boa o suficiente para levar os clientes a novas compras, logo não gera valor diferenciado e, portanto, não possui product-market fit.

Uma curva estabilizada é um bom indicador de que você encontrou a adequação do produto ao mercado em um grupo de usuários.

Tripé de Brian Balfour

Brian Balfour compartilhou o case da Snapchat em seu artigo “the never ending road to product-market fit”, onde ele descreve o tripé do product-market fit como a existência de (1) crescimento anormal em métricas, (2) retenção e (3) uso significativo ao mesmo tempo.

No caso do Snapchat, poucos meses depois do lançamento tinha (1) 200 mil downloads com (2) 50% dos downloads como usuários ativos diariamente e que (3) enviavam em média dez fotos por dia.

Balfour discute PMF sob uma perspectiva mais ampla, que ele chama de framework dos quatro fits, mas esse assunto fica pra próxima edição, enquanto isso deixo o link nas referências.

Bônus: O poder do amor (Case Figma)

Eu havia terminado de escrever essa edição e estava dirigindo de volta para casa ouvindo o episódio “An inside look at Figma's unique GTM motion
Claire Butler (first GTM hire)” do Lenny's Podcast e uma das pautas foi como eles sentiram product-market fit por lá.

Claire conta que ela e Dylan (fundador da empresa) estavam fazendo demos do produto - Figma ficou em stealth mode por três anos - e de repente começaram a sentir os sinais de PMF.

The people that we showed Figma to were really interested in it and cared about it […] After some of our other features came out, people would take the laptop out of Dylan's hands when he would start showing it because they wanted to play with it.

Claire Butler

Lenny e Claire chegaram a uma conclusão: seja obcecado em fazer com que uma empresa ame, experimente e continue a usar seu produto.

Esse insight é poderoso, testar um produto e até mesmo continuar usando-o são conceitos básicos em startups, mas a ideia de fazer as pessoas amarem a sua solução é abstrata demais.

Essa ideia, no mundo dos negócios, é traduzida em indicadores como o NPS, mas o verdadeiro sinal de PMF, nesses casos, não está nos números, mas em arrancar o notebook da mão de alguém pra ver melhor.

Product-market fit é importante demais para as startups, mais importante até mesmo que outros conceitos - inbound e outbound, growth hacking, x-led growth - mas que não foi transformado em playbook como seus pares.

Eu não tenho a pretensão de fazer desta edição um artigo seminal sobre o assunto, mas se apenas um de nossos leitores e leitoras usar esse material como inspiração para dizer “ainda não encontramos product-market fit” em uma reunião, terei cumprido minha missão.

Quando isso acontecer, mande um e-mail pra gente, tá?

Um abraço,
Witt.

Referências

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